Viagem Enogastronómica pelo Douro Vinhateiro. Portugal Blog

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Uma viagem Enogastronómica pelo Douro Vinhateiro

Uma viagem Enogastronómica seguindo o Rio Douro, no norte de Portugal, até sua foz, no Porto, entre aldeias com Quintas centenárias, adegas renovadas, hotéis de charme e restaurantes tentadores.

Primeiro um amis bouche. Em bom português, um “divertir a boca”, com creme de aspargos, peixe fresco e torresmo. “Agora posso escolher a vossa degustação?”, pergunta o chefe Rui Paula. Pouso os talheres, afrouxo o cinto. Estamos no restaurante DOC, no Peso da Régua, onde a divina releitura da Cozinha portuguesa dá o tom requintado que encontraríamos viajando por uma semana no Vale do Rio Douro. O sommelier Marco Valente recomenda o vinho: um Tiara, branco, Nieeport. “É frutado, fácil de tomar”, diz. A garrafa será nossa companheira para a trilogia de degustação, a começar por um manjar dos deuses: carpaccio de polvo cortado bem fininho, “para a açorda de robalo continuaremos no branco, com algo mais pronunciado na madeira. Proponho um Vallado Reserva,” diz Marco.

Surpreendo-me com os novos nomes, aromas e sabores. Chegam ovos estrelados de codorniz com alheira. Olho para Marco. “Continue com o Vallado”. Fim da trilogia.

Havíamos voado até o Porto, onde alugamos um carro e dirigimos por 95 quilômetros pela autoestrada A4 até o Peso da Régua, uma espécie de capital da região do Alto Douro Vinhateiro. E aquele início de viagem refletia bem o novo turismo que nos últimos dez anos tem brotado nesta terra onde, desde os tempos pré-romanos, crescem as castas das uvas dos vinhos do Douro e do Porto. Velhas quintas, como a do Vallado, Pacheca e a Nossa Senhora do Carmo deixaram de ser meras propriedades agrícolas e foram convertidas ao chamado Enoturismo de habitação. Além dessas hospedarias para amantes do vinho, também as adegas renovaram os seus espaços. Contrataram arquitetos de sucesso, investiram em enólogos e tecnologia. Novos hotéis de luxo surgiram, como a Quinta da Romaneira, com quartos de quase mil euros por dia. Sem falar no charme das Pousadas de Portugal, a rede que transformou mosteiros e casarões históricos em hotéis. Quatro dessas 41 pousadas ficam justamente aí, no entorno do Douro.


Flutuar no deque - Tudo parece completar-se: o tinto no copo e o Douro à frente das janelas envidraçadas…

O chefe Rui Paula reaparece, sorridente. “O prato principal: cachaço de porco bísaro com purê de aipo”. Antes que o toquemos, o sommelier Marco, sem cerimónias, dá-nos novo copo e, desta vez, preenche-o com um legítimo tinto da região do Douro, Quanta Terra 2007.

Tudo parece se completar: o tinto no copo, e o Douro à frente das janelas envidraçadas. Quando oferecem a sobremesa, juro silenciosamente iniciar um regime ao voltar para casa. E lá vem ela: creme de ruibarbo com mousse de lima e manjericão. Para acompanhar, é claro, Vinho do Porto, essa saborosa mescla das boas uvas do Douro com aguardente de vinho. Flutuo no deque à beira do rio...

Como veríamos nos próximos dias, ao seguir o curso do Rio Douro rumo à sua foz na encantadora cidade do Porto, a boa mesa é a mais saborosa faceta desta concha vinhateira que se estende desde as arribas na divisa com a Espanha, berço do Douro. Além do DOC de Rui Paula, endereços como Castas e Pratos, na Régua, e Solar da Rede, em Mesão Frio, oferecem o melhor da cozinha duriense.

Carnes, inclusivamente de caça, como o coelho bravo, o javali e a perdiz, são servidos com arte. E o melhor: ganham a harmonização de vinhos da região vinícola demarcada mais antiga do mundo, considerada Patrimônio da Humanidade pela Unesco.
Do cais do Peso da Régua partem cruzeiros pelo rio em navios de luxo ou em simpáticos Barcos Rabelos, umas embarcações que transportavam os Vinhos ao Porto até meados do século XX.

Navegar no Douro é bastante calmo desde 1993, quando concluíram as barragens e eclusas que lhe amansaram as corredeiras. Nos tempos dos Rabelos, a viagem era perigosa.

O próprio homem a desenhar-lhe a primeira carta de navegação, o escocês Barão de Forrester, morreu em naufrágio. Reza a lenda que o peso do ouro nos seus bolsos o teria afogado.

Esta e outras histórias, como a de Dona Antónia Ferreirinha, que salvou os pequenos produtores quando a praga da filoxera atacou as videiras, dando-lhes a sopa do agricultor, podem ser conhecidas no Museu do Douro, no centro da Régua. É uma boa introdução para o universo do vinho na região.


Esmagar uvas com os pés

Na estrada, salta à retina a beleza dos socalcos, aqueles degraus incrivelmente inclinados escavados nos montes para plantar, desafiando a geometria. “O mais belo e doloroso monumento ao trabalho do povo português”, versou o poeta Jaime Cortesão. Que fez da pedra a terra, “do sol o bravo licor generoso, que tem um ressaibo de brasa e de framboesa”, completa o escritor Aquilino Ribeiro.

“Aqui nascem as castas secularmente adaptadas ao solo de xisto e ao clima árido, de invernos severos e verões tórridos, diz Luís Barros, que montou na enoteca Quinta da Avessada, em Alijó, um local onde turistas esmagam as uvas com os pés e cantam como nos tempos da vindima – a época da colheita da uva, setembro e outubro, é a melhor para visitar a região.

Depois de 27 quilômetros ladeando o Douro pela rodovia N 222, chegamos ao Pinhão, um entroncamento de estradas e ferrovias para várias aldeias. Ali decidimos por Alijó, no topo do vale. Sem pressa, paramos em cada mirante da estradinha para admirar os horizontes trêmulos, sentir a epiderme das videiras na pele, e entre elas se perder.

O olfato deteta a presença do rosmaninho, da esteva e do alecrim nos socalcos da viticultura heroica, misturado às oliveiras centenárias e ao amendoal que se abre em flor em fevereiro. Ao cair da noite, fincamos estadia na aconchegante Pousada Barão de Forrester. Jantar: coelho frito com castanhas e couve com aroma moscatel. Na sobremesa, peras e maçãs caramelizadas com mel e vinho do Porto. Dormir.


Vinho de Aperitivo

Começo de outono. Faz frio ao amanhecer. Andamos pela praça e achamos uvas nos pés, docinhas. “Pode chupar o quanto quiseres”, diz a senhora Fátima. Ela ri, dá uma volta e retorna com um presente: uma garrafa de moscatel, um tipo de vinho rico, usado em aperitivo, produzido em Alijó. Seguimos à vizinha Favaios, com casas de pedras, sete padarias e mil habitantes. “Experimenta com geleia, come, tá magrinho” oferece Manuela Fernandes, quinta geração à beira do grande forno a lenha, a cozer o famoso pão de Favaios de quatro pontas. A hospitalidade no Douro não tem limites. Nem a beleza da paisagem. Vamos à Quinta do Seixo, em Valença do Douro, conhecer a Casa Sandeman, degustar uns copos de Porto. Linda adega, o rio a serpentear visto do alto é de arrepiar.

No almoço da Quinta da Pacheca, favas com moura (um tipo de linguiça), codorniz do bosque. Depois, sesta, e mais degustação, Quinta do Vallado, vinhos jovens do Douro, safras premiadas pelo guru Robert Parker. Ver, respirar o perfume, degustar.

No fim da tarde, esticamos para Lamego. Subimos a escadaria barroca da igreja Nossa Senhora dos Remédios para avistar a cidade. E descemos para a apoteose: as pastelarias atrás da Sé. As vitrines são sedutoras, com papos-de-anjo, tortas e pães de ló. Levamos um pouco de tudo para o novo endereço, o luxuoso Solar da Rede, encravado na montanha de Mesão Frio. Não lembro com qual vinho degustamos os docinhos. Recordo apenas de adormecer com o Douro emoldurado na janela. E de um rio de vinhos a harmonizar os meus sonhos.


Beber o Vinho do Porto

Deixamos as montanhas e vamos à foz. Ainda o Douro, mas agora o Porto, a capital do Norte, do vinho e da boa mesa. Reencontramos o chefe Rui Paula em seu novíssimo restaurante, o DOP. O homem não para. “No Douro, carnes e caças. Aqui, peixes. O mar bate à porta”, diz.

E ao mar vamos, na Foz Velha, onde restaurantes design dão o tom da nova cozinha lusa e reúnem gente bonita. A vista do Shis com o mar chocando-se contra as janelas de vidro é arrebatadora.

Inspira copos de vinho branco para brilhar ao sol e brindar uma cidade vanguarda, que mereceria mais páginas para traduzi-la em palavras. Flanamos pelos becos históricos até ganhar o cais da romântica Ribeira, e de lá atravessar a ponte até gaia, lar de todas as caves: morada sagrada onde o sumo da videira amadurece, ganha corpo, alma e caráter, às vezes por décadas, em barris de carvalho.

Conta a história que o vinho do Porto nasceu há mais de 300 anos, em meados do século XVII. De tanto guerrear com a França e ficar sem sua fabulosa Bordeaux, os ingleses vieram bater à porta dos portugueses. Levaram o seu vinho frutado para vossa majestade, mas muito se estragou na difícil travessia. Para protegê-lo, adicionaram aguardente de vinho. Nascia o vinho generoso do Porto e suas variações como Tawny, Ruby, Branco, Vintage e LBV, em garrafas com 10, 20 e 40 anos de idade. Eles podem ser degustados nos pontos mais charmosos e são o principal cartão de visitas de hotéis como o Yeatman, que recém-inaugurou um spa onde se pode até tomar banhos de vinho.

Cai a noite. No bar bebericamos PortoTonic e PinkPorto, aperitivos dos novos tempos. Tocam jazz. Nosso hotel, Palácio do Freixo, é um prédio do século XVIII, à beira-rio, repleto de arte e salas elegantes. Às 9 da noite jantamos. “Preparo todos os pratos pensando no vinho”, diz o chefe Álvaro Costa. Lá pelas tantas, vista da mesa, por entre as luzes do Palácio, a piscina de borda infinita parece bailar no Douro. Afrouxo o cinto uma última vez.

Já conheço o roteiro dessas águas, e sei que elas não têm fim. O garçom se aproxima com uma garrafa de Porto Tawny Taylors 20 anos ligeiramente gelada e pergunta: “Sobremesas?”.

Nota: este artigo foi publicado na Revista Red, distribuída a Bordo da Companhia Aérea TAM, resultante da Press Trip Pousadas Revista TAM realizada, de 24 setembro a 02 de outubro 2010, com o apoio de ATP-PCVB.

Helena Azevedo

Helena Azevedo

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